Easy Rider – Um marco para a Nova Hollywood e um clássico da contracultura



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Diego Rodrigues

Em meados da década de 1950 e 1960, o cinema hollywoodiano enfrentava uma crise existencial. A popularização da TV e os questionamentos de uma nova geração faziam com que o formato clássico da academia já não tivesse a mesma efetividade de tempos atrás. Grande parte dessa ineficiência se dava pela admiração que os jovens tinham com a inovadora safra de diretores europeus, principalmente os que pertenciam ao realismo poético francês e ao neorrealismo italiano. Outro fator preponderante era a enorme crise financeira que começou a assombrar Hollywood. Por essa série de acontecimentos, a solução para os estúdios foi apostar nos jovens recém-saídos das academias de cinema (a primeira geração com formação acadêmica) e com vasto conhecimento sobre o cinema clássico americano e europeu. Entre esses pré-maturos diretores figuravam nomes como: Francis Ford Coppola (O Poderoso Chefão - 1972 e Apocalypse Now - 1979); Martin Scorsese (Touro Indomável); Peter Bogdanovich (A Última Sessão – 1971); George Lucas (THX - 1970 e Star Wars - 1977); Steven Spielberg (Tubarão - 1975) e William Friedkin (O Exorcista - 1973).  

Crise financeira; descontentamento com a produção contemporânea; e talentosos jovens (sedentos por glória). Estava formado o cenário para que o sucesso fosse retomado na indústria hollywoodiana. E foi através dessa combinação de fatores que se iniciou o período chamado de Nova Hollywood, marcado por inaugurar o foco na figura do diretor, nos Estados Unidos da América (EUA). Todos eles queriam ser o que os franceses chamavam de auteur. O termo pode ser explicado grosseiramente como o reconhecimento de que os diretores eram os principais criadores de seus filmes.
É nesse contexto de efervescência da companhia cinematográfica e cultural (ou se esqueceu de que estamos em plena década de 60?) que Easy Rider - 1969 está inserido. O filme foi estrelado por Peter Fonda (Wyatt ou Capitão América) e Denis Hopper (Billy) - uma de suas melhores participações, exceto por seu neurótico personagem em Veludo Azul de David Lynch; também contou com a ótima participação secundária de Jack Nicholson (George Hanson), que alcançou sua primeira indicação ao Oscar. Fonda acumulou o cargo de produtor e Hopper o de diretor.


O longa-metragem foca na história de dois hippies da Flórida, que atravessam a fronteira com o México para buscar um carregamento de cocaína e revendê-lo para utilizarem o dinheiro no desfrute do Carnaval (Mardi Gras) em New Orleans. Porém, o mais importante é a viagem feita em duas motocicletas que percorrem o território norte-americano. Uma bela representação de exaltação a liberdade (tão cultuada pela geração Paz e Amor), aliada ao tão falado american dream (sonho americano), porém em uma readaptação.
Wyatt rompendo com um símbolo da sociedade "opressora"
Na cena inicial nossos protagonistas vendem e recebem o dinheiro do tráfico de drogas. Posteriormente, somos apresentados à preparação para o início do novo sonho americano, enquanto o Capitão América enche o tanque de sua motocicleta com os dólares recebidos pela arriscada transação que realizaram. A largada para o princípio da jornada é dada quando - em um close - podemos observar Wyatt se desfazendo de seu relógio. A partir daquele momento o tempo não importava mais, e sim, a realização dos objetivos livres da dupla. Nada melhor para retratar um dos maiores ideais dos hippies da década de 60. 

 Para dar continuidade a essa representação de liberdade, as primeiras imagens da viagem possuem como trilha sonora, a música Born to be wild da banda Stepeenwolf - a canção se tornou o hino dos motoqueiros. A sonografia da obra deve ser encarada como uma personagem de extrema importância durante sua degustação, pois é recheada de clássicos que marcaram a contracultura estadunidense, como: Jimmy Hendrix (um dos maiores expoentes do movimento); Hoyt Axton; Roger McGuinn; Bob Dylan etc. Ao assistir o filme também repare em seus cortes estranhos (entre uma cena e outra são apresentadas trechos da anterior e da seguinte).Assista o trailer e ouça alguns trechos da trilha sonora.

Pronto, retornei! Outro ponto de destaque do longa-metragem é a simbiose que existe entre os dois personagens principais (Wyatt e Billy). O primeiro representa a serenidade, docilidade e espírito fraterno da América, talvez por isso, sua moto, capacete e roupa possuam as cores e a bandeira dos Estados Unidos. Já Billy se veste com os trajes típicos dos nativos-americanos e tem como característica marcante a desconfiança, com o que se revela novo (ou desconhecido). Uma bela demonstração dos traços marcantes da dupla é dada quando um hippie os pede carona durante sua jornada. Billy é contra, mas o Capitão América logo aceita levar o rapaz à sua “casa”. A paisagem até chegarem ao local torna à fotografia do filme linda, além de representar a típica beleza selvagem (rústica) estadunidense.  Quando chegam à residência do caroneiro, somos apresentados a uma típica comunidade da contracultura. Por lá, tudo é coletivo. Seus habitantes se destacam pelas roupas extremamente coloridas e pêlos abundantes em seus corpos. A passagem dos easy riders no local é regada a muita droga e amor-livre. No momento da despedida, Wyatt é presenteado pelo anfitrião com uma substância alucinógena para compartilhar com as pessoas que julgasse merecedoras. 
Capitão América recebendo a substância de seu amigo hippie

Passada a experiência na comunidade hippie, nossos motoqueiros partem rumo ao Carnaval de New Orleans, onde são recepcionados com uma estadia na cadeia local, ocasionada por seguirem o desfile das comemorações sem possuírem permissão. É no cárcere que a dupla conhece George Hanson (o personagem de Jack Nicholson). Um advogado que fora encarcerado pela bebedeira do dia anterior. Hanson afirma que poderia tirar a dupla da cadeia, “desde que não tivessem matado ninguém, ou melhor, ninguém que fosse branco”. A fala está imbuída da intolerância que a sociedade do país possuía na época. Vale ressaltar, que antes disso o guarda afirmara que a dupla hippie não era gente, e sim, animais.
Da esquerda para a direita: Wyatt, Billy e Hanson

George representa a insatisfação (dos jovens) com os valores morais da época e o anseio em se desprender desses dogmas da sociedade. E esse é um dos motivos que o faz seguir viagem com os easy riders, rumo ao prostíbulo que sonhava conhecer e dar continuidade as festividades do Mardi Gras de New Orleans. Logo em sua primeira parada (uma lanchonete à beira da estrada), o trio é recebido com a indignação dos adultos da comunidade local, ouvindo diversos insultos e ameaças. Em contrapartida, as jovens presentes no ambiente, os recebem com furor e admiração. Hooper nos posiciona a uma clara divisão entre o que os pais e os filhos pensavam a respeito da contracultura. Nesta mesma noite, após divagarem sobre a existência ou não de OVNIS, Hanson dá uma ótima definição para a forma como encaramos a liberdade:
“...um sujeito realmente livre representa uma ameaça muito grande à uma comunidade cujos integrantes são sujeitos completamente condizentes as regras pré-estabelecidas, sujeitos que não tem nenhuma seleção em relação ao que é determinado. Tal ameaça é tão grande que causa medo.” E esse  medo impulsiona os senhores que os ameaçaram na lanchonete, a atacá-los. George é assassinado durante a investida. Mas, em homenagem ao amigo, Wyatt e Billy seguem a viagem rumo ao Mardi Gras, onde conhecem duas garotas e vivem o momento mais psicodélico da obra. Ocasionado quando consomem a substância doada pelo hippie da comunidade que visitaram, todos os quatro jovens têm um momento de surto, apresentado por uma sucessão (rápida) de cortes de imagens em um cemitério. Entre cruzes e túmulos os personagens são atormentados pelos efeitos do alucinógeno. O que mais sofre é o personagem de Fonda, que deita no colo de uma imagem de Nossa Senhora e lhe faz súplicas e acusações direcionadas à sua mãe.
Desabafo com uma Santa

Se não assistiu ao filme ainda, a sua jornada acaba aqui. Passada a psicodelia é hora de regressar a Flórida. Neste instante presenciamos mais um ótimo diálogo da obra. Billy diz ao Capitão América que após o regresso ficariam ricos. Porém, Wyatt tem outra percepção da situação prevista pelo personagem de Hooper. Fonda diz que não continuariam livres, por deixarem de ser nômades. Percebe-se claramente a desilusão com o novo sonho americano e seu processo de esfacelamento. Essa ruína é concluída quando uma dupla de caipiras sulistas (o cinema adora retratá-los assim) os assassinam quando estão na estrada de volta para casa. O primeiro a ser atingido por um tiro é Hopper. Posteriormente, Wyatt é baleado enquanto ia buscar socorro para o seu amigo. Nada melhor para representar o desmoronamento do american dream, um personagem intitulado Capitão América é assassinado em uma moto cheia de dólares, após cruzar o país e tentar buscar socorro para salvar o companheiro de jornada.
Billy


Easy Rider deve ser encarado como uma obra que retrata os anseios (ou a falta deles) de uma geração e as mudanças dos valores socioculturais que a população dos Estados Unidos passava no momento. Dennis conduziu o filme com tamanha maestria que foi agraciado com o Prêmio de melhor Diretor Estreante no Festival de Cannes (1969).   

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